Histórias do Vale do Corujas

 

É possível que a história de nosso vale vá longe, vá até o início da ocupação de Pinheiros pelos jesuítas, que lá fundaram um aldeamento de índios ainda no século XVI. Não temos certeza. Existe um local a ser investigado, que pode dar muitas pistas: a chamada “Casa do bandeirante”, na Praça Monteiro Lobato, perto da Ponte da Cidade Universitária.

Venho chafurdando informações sobre o vale desde junho de 2005, e uma das surpresas mais espetaculares foi quando, em maio de 2007, fiquei sabendo que aquela casa esteve do lado de cá do rio até 1940. Não foi a casa que mudou, foi o Rio Pinheiros. Quem quiser divertir-se, invista um tempo analisando a página “Comparando”, e vai ver essa situação. Aquela casa era a sede do Sítio Rio Acima do Pinheiros. Não sabemos bem a história da casa, mas a historiadora Márua Pacce descobriu uma documentação de 1822 sobre o sítio. Naquele ano foi feita uma “doação do imóvel, situado nas proximidades do Córrego Coruja, por Antônio Correa de Moraes a seus afilhados Generoso e Francisco, filhos de Joaquim Aranha e Maria de Tal, sendo a posse exercida em nome daqueles por Joaquim Aranha, já que eram ainda menores.” O Coruja tem esse nome faz tempo! Essa historiadora levantou informações sobre o sítio desde aquele momento até 1912, quando ele foi vendido para a Companhia City, que em 1942 loteou o Alto de Pinheiros.

(http://www.piratininga.org/casa_do_butanta/sitio_butantan.htm)

 

Uma das lendas urbanas diz que o sítio e a casa eram dos jesuítas. Fui atrás da fonte maior, o livro de História dos Jesuítas no Brasil, do Padre Serafim Leite. Lá tem um trecho intitulado Psacaembu (tomo VI, livro IV, capítulo VII, paragrafo5):

Como sucedeu com as fazendas da cidade do rio de janeiro, que se desdobraram em inúmeras chácaras, também as teras dos jesuítas se desdobraram em sítios. Na "Relação que dá em 1779, Inacio Correia de Morais, director da Aldeia dos Pinheiros, da cobrança que fez de todas aquelas pessoas situadas na légua de terra de Paicambu, sequestrada dos jesuítas", ficavam 15 ou 16 sítios, um dos quais é o próprio "sítio de Piratininga", e outro o do Butantan. Além destes, Boavista (sítio e tapera), Tanque (sítio e capão), Buraco, Taperuçu, Araçapiranga, Pacaimbue Pacaimbu de cima, Ambuçu (ou Inhubuçu), Bananal, Taquaú, Tabatinguá, Buaçaba (ouMbuaçaba ou Embuaçaba), Mandeí (ou Mandii) e mais 2 ou 3 sítios e Taperas.

Nota 14, do S. Leite: Arq. Nac. do Rio, Receita e Despesa de Bens confiscados a Jesuítas na Capitania do S. Paulo, ms. 483, e cf.ms 480, f, 6ss. Autos de Arrematação, cada`qual bem discriminado, como este de 18 de outubro de 1779: Auto de arrematação das terras pertencentes ao Real Fisco, situadas na paragem chamada Pacaimbu, entre o Rio Verde e o Rio das Pedras, as quais haviam sido arrendadas pelos denominados jesuítas a Manuel Pinto Guedes, e hoje existia nelas Clemente José Gomes Camponezco, a quem se arremataram pela quantia de 40$000 rs", ms 480, f.6.

É possível que Buaçaba seja a região hoje da City Boaçava, não longe do córrego das Corujas. Rio Verde é um dos córregos que cortam Pinheiros, mas é um nome comum de curso d'água.

 

Um outro documento, encontrado na internet,  diz que aos 16-7-1692 Simão Borges Cerqueira pagou de principal e ganhos 74$781 rs que fora dados a ganhos a Jeronimo Pedroso, para o que hipotecou um sitio junto a aldeia de Pinheiros com cem cabeças de gado.

Um marco dos mais antigos da história o vale deve estar ligado a quando a “civilização” o cortou,  estabelecendo a Estrada das Boiadas (hoje Av. Diógenes Ribeiro de Lima, que corta o córrego das Corujas - canalizado - em frente da Padaria A Pioneira).

            O site (http://www.almanack.paulistano.nom.br/boiada.html)    diz que a Estrada da Boiada foi uma extensão da estrada que ligou em 1786 o caminho de Pinheiros a Santo Amaro. Essa extensão dirigiu-se à Lapa e hoje tem o nome de Avenida Diógenes Ribeiro de Lima. Na passagem por Pinheiros, a Estrada da Boiada compreendia a rua Fernão Dias e a rua Pinheiros. O seu caminho compreendia também a rua Groelândia, a avenida Brigadeiro Luis Antonio e outras vias.

Em 1912 a prefeitura fez um mapa que mostrava claramente o Córrego das Corujas e a estrada das Boiadas. Se quiser ver o mapa e saber mais algumas coisas, vá para a página “1912” e depois volte...Esse mapa também mostra que os morros e planaltos de Pinheiros eram cortados pelo Córrego do Rio Verde, que nascia perto da rua Oscar Freire e desaguava no Rio Pinheiros. As localidades do lado oeste do córrego, onde hoje está a Vila Madalena, chamavam-se, já no início de nosso século, Sítio do Rio Verde. Alguns antigos moradores da Vila Madalena contam que o proprietário das terras era um português. Ele tinha três filhas: Ida, Beatriz e Madalena, que deram origem aos nomes dos atuais bairros da Vila Beatriz, Vila Ida e Vila Madalena. Entretanto, a história faz parte da memória oral dos habitantes da Vila (www.vilamadalena.net). O córrego das Corujas separa a Vila Madalena da Vila Beatriz.

            A região da nascente do córrego das Corujas, sendo tão íngreme, deve ter continuado com um sítio por longo tempo, mesmo quando a Vila Madalena já se desenvolvia, nos anos 30. Um mapa feito por uma empresa italiana contratada pela prefeitura, o projeto SARA Brasil, de 1930, mostra o arruamento da Vila Madalena até a rua Wisard, mas sem nomes anotados. A Vila Beatriz, após o córrego mostra a rua hoje conhecida como Natingui seguindo paralela ao córrego, indo até o fundo do vale. O mapa mostra bem a Estrada Das Boiadas, e é assim que esse nome, no plural, é registrado no mapa. O Rio Pinheiros está lá, todo tortuoso. A civilização de Pinheiros, ou melhor, o arruamento, chegava até a Rua Amaro Cavalheiro, que subia até a Macunis. Dali prá frente, só a Boiadas seguia. Mostra também  a adutora de Cotia, aquela adutora que traz água pela divisa USP-Butantan, atravessa o Rio naquele arco ao lado da ponte da Cidade Universitária e sobre reto pela Pascoal Vita, segue debaixo da escadaria que cruza a Heitor lá perto da Estação Vila Madalena do Metrô e vai não sei bem para onde...

Na foto aérea de 1940, a Natingui (ou possívelmente Rua do Futuro, como os mais antigos dizem que se chamava) vemo-la indo até o fundo do vale e  fazendo a curva da Pereira Leite para chegar até a Heitor Penteado.. A foto mostra nitidamente a adutora de Cotia e a linha de alta tensão de energia elétrica que hoje cruza o Pinheiros em frente à estação de trem Cidade Universitária. Nessa foto, a Estrada das Boiadas continua dominando o vale do Corujas, seguindo paralela ao ainda não retificado Rio Pinheiros. A foto mostra claramente o caminho que levava da Estrada das Boiadas até a sede dos sítio.

O Rio foi retificado ao redor de 1942, e logo depois a Companhia City iniciou o loteamento. Como a retificação deixou parte de suas terras do lado de lá do Rio, a Companhia City também loteou aquele lado e, segundo consta, a pedido do prefeito da época, a Companhia City doou a casa e o quarteirão à cidade.

A foto aérea de 1954 mostra o arruamento quase completo do Alto de Pinheiros, mas vem uma surpresa: o alto do vale do Corujas, acima da Estrada das Boiadas, continuou praticamente um sítio. No coração da Vila Beatriz, não existia a esquina da Leão Coroado com a Beatriz! Era um pasto. Mas em breve estaria arruada e crescendo.

O córrego no alto do vale continuou a céu aberto até 1985, dizem, quando canalizar um trecho da Avenida das Corujas. Atenção, moradores, procuramos fotos dessa época, quem tiver fotos antigas e quiser vê-las aqui, é só digitalizar e mandar.

            A Praça Dolores Ibarruri “La Pasionaria” (1), hoje o centro bucólico do vale, deve ter sido inaugurada no final dos anos 80, substituindo o matagal que lá havia. Conheço várias pessoas que moravam nas redondezas e não se lembram de como era o vale. Somente pessoas que moram onde hoje é a Avenida das Corujas lembram-se do córrego ainda não canalizado, naquela região. Estamos procurando fotos desse tempo.

            Vários amigos que moravam no Alto de Pinheiros lembram do córrego ainda aberto em frente à Igreja da Cruz Torta, na Frederico Hermann Junior. Deve ter sido canalizado nos anos 70.

            Dona Angelina mora na beira do córrego há 50 anos.

(1) http://www.eroj.org/biblio/ibarruri/biografi.htm