BRAZOPOLIS

- Órgão Oficial dos Poderes Municipais -

Redator: Octacilio Machado             Colaboradores diversos                    Impresso em oficina própria

Ano: 27                        Brazópolis – (Minas)                              9 de julho de 1950               Núm. 1343

 

 

PEDRO GOMES

O Centenário de seu Nascimento, no dia de São Pedro

1850 – 1950

 

 

Pedro Gomes nasceu a 29 de junho de 1850, na fazenda do Novo Bom Sucesso, onde residia seu pai, o Capitão Manoel José Pereira Gomes, menor de dois anos depois da elevação da freguesia do novo povoado de S. Caetano da Vargem Grande, que se transformou posteriormente na atual cidade de Brazópolis.

Fez parte de uma família composta de 14 irmãos: 9 varões e 5 mulheres.

Todos eles e elas se casaram e constituíram família numerosa, exceto José Pereira Gomes, que só teve uma filha, e D. Julia Amalia Gomes de Oliveira, esposa de Ignácio Gonçalves de Oliveira, que não teve filhos.

O Cap. Manoel Gomes, seu pai, grande amigo da instrução, não tendo recursos suficientes para mandar ensinar seus numerosos filhos e não havendo mesmo escolas aqui por perto, resolveu ele mesmo abrir uma escola em sua Fazenda, tornando-se o mestre escola de seus filhos e de seus agregados e vizinhos. Homem de uma formação moral impecável e de raro espírito público, deu aos seus descendentes, ao lado da instrução elementar, uma sólida educação moral, completada por um largo espírito cívico, feito de tolerância, de amor ao próximo, às causas justas e ao bem geral.

Sua esposa, D. Flausina Maria de S. José (filha do Alferes Antonio Dias Pereira) foi a sua dedicada e inteligente colaboradora dessa tarefa, ocupando-se principalmente da formação religiosa dos filhos.

À noite, ensinava-os a orar, as verdades fundamentais da religião cristã e lia-lhes um trecho da Bíblia Sagrada, principalmente do Novo Testamento, que explicada depois à criançada, sem excetuar as filhas dos escravos, que ela tratava com a mesma bondade usada para com os próprios filhos.

Foi nesse ambiente que Pedro Gomes nasceu e se fez homem.

Inteligente e com grande pendor para a matemática e para a mecânica (como aliás quase todos os seus irmãos) completou depois sua educação na Escola da Vida prática e alargou os seus conhecimentos por esforço próprio, chegando a escrever com facilidade e acerto.

Por intuição natural e alguns estudos feitos sozinhos e por necessidade, aprendeu escrituração mercantil, tornando-se hábil guarda livros.

Era também freqüentemente procurado por seus numerosos amigos e conhecidos para resolver casos e problemas difíceis, de todo o gênero, e para calcular áreas territoriais, nos negócios de compra e venda e nas empreitadas de lavouras.

Casou-se aos 24 anos de idade com a senhorinha Ana Ignácia de Oliveira, sua prima em quarto grau canônico, filha do Alferes Ingácio João de Oliveira e d. Maria Severina da Silva, fazendeiros, descendentes ambos de antigas famílias de grandes proprietários de terras, pertencentes ao grupo dos primeiros desbravadores e civilizadores destes rincões amados.

 

O ABOLICIONISTA

 

Embora se tivesse contentado, nos últimos anos de sua existência, com uma atuação modesta na vida local, desempenhou, entretanto, no alvorecer da terra natal, destacado papel na sua história, como estrênuo combatente pela libertação dos escravos e pela proclamação da República, campanhas em que se empenhou de corpo e alma, com sacrifício de seus interesses particulares; e, convertidos em realidade seus ideais, retirou-se da vida privada, alheiando-se de então em diante da atividade política.

Descendente, desde numerosas gerações, de fazendeiros e senhores de escravos, inclusive seus avós, pais, sogro, irmãos e tios, que ainda os possuíam, sua índole humanitária e justiceira, desprezando os interesses de família, entrou de revoltar-se contra a nefanda instituição, apelidando os negociantes de cativos, então abundantes, de “mercadores de carne humana”. Não se limitou, ademais, a protestos platônicos: fundou com seus cunhados Manoel José Velloso, Benedito Rocha e João Pereira dos Santos, o “Partido Abolicionista”, que sustentara uma luta tenaz e vitoriosa não só para que fosse extinto por lei o cativeiro, como ainda pela direta libertação dos escravos. De acordo com os abolicionistas de Itajubá, os desta localidade promoveram uma bem urdida conspiração para abrigar os senhores de todo o município, que então compreendia Vargem Grande, a concordarem com a alforria geral, independentemente de qualquer dispositivo legal, que ninguém esperava obter do governo do Império, pois havia a suposição de que, qualquer lei para tal escopo votada pelo Congresso, teria o veto do Imperador, visto que os fazendeiros e outros proprietários dos infelizes negros eram a mais sólida coluna do trono. E Pedro Gomes, por delegação e com o inteiro apoio dos seus poucos companheiros, desenvolveu uma ação tremenda e revolucionária, e ao mesmo tempo hábil, com a serena coragem e desassombro que lhe eram peculiares, até a vitória final.

Convocavam os escravos para reuniões pacíficas em dias determinados, que sempre recaiam em domingos, ou dias santos, recomendando-lhes que comparecessem desarmados, para tirar ao ajuntamento o caráter de sedição, e nessas reuniões era reclamada a liberdade para os infelizes. Servia de agente de ligação o destemido mulato Emílio Rodrigues, a quem eram fornecidos cavalos, e que durante a noite percorria as fazendas, convocando os cativos para assembléias redentoras, em que iriam clamar contra a iniquidade da escravidão e implorar a liberdade.

Essas reuniões correram todas pacificamente, graças à influência de Pedro Gomes, que compreendia a inutilidade da violência, confiando mais na eficácia da persuasão e no final triunfo do direito natural de todo homem. A última reunião, a 21 de Março de 1888, com a presença também dos senhores, previamente convidados, estava destinada a dar o tiro de misericórdia na iníqua instituição, não só em nossa Vargem Grande, como em todo o município de Itajubá, conforme haviam concertado os líderes abolicionistas de todos os distritos.

Como era de prever, essa memorável assembléia, única no gênero, não foi serena; a multidão de escravos acotovelando-se em massa no Largo da Matriz, a bradar por liberdade; e os senhores reunidos em conselho numa sala onde se reúnem hoje os Confrades Vicentinos na conjuntura de perderem o seu capital e o braço servil, a ouvir-lhes os clamores por um lado, e por outro, premidos pelas injunções dos chefes abolicionistas, criaram uma atmosfera tensa e eletrizada, em que as emoções incontidas faziam tremer as vozes e se escoavam em gestos violentos; um dos senhores chegou mesmo a arremessar a si o paletó, disposto a brigar; bastaria mais uma imprudência para desencadear um conflito. Mas a serenidade, a calma, a coragem e a tática de Pedro Gomes, conjuraram a emergência. Fez ver aos numerosos senhores que nada adiantaria um atentado contra o pequeno grupo de abolicionistas, porquanto a multidão de escravos dali próximos não deixaria de acorrer em socorro dos seus libertadores; que a abolição era idéia já amadurecida em todo o País e se converteria em realidade dentro de breve tempo; e que era mais honroso para os proprietários libertarem os cativos de vontade própria, do que serem forçados por lei. Caíram em si os recalcitrantes; baixaram os braços ameaçadores e, cabisbaixos assinaram o termo já de antemão lavrado, em que davam liberdade a todos os escravos.

Extinguiu-se assim a escravidão em Brazópolis, como em todo o município de Itajubá, a 21 de março de 1888, quase dois meses antes da lei de 13 de maio.

A campanha abolicionista custou a Pedro Gomes pesados sacrifícios, tanto de seus interesses, como da sua tranqüilidade e relações afetivas.

Ecoavam pelo País vários casos de assassinos de abolicionistas, o que trazia-lhe alarmada a família. Impunha aos seus parentes mais próximos avultados prejuízos na perda do braço escravo. Um tio materno chegou a chorar amargamente, lamentando que o seu “próprio sangue” lhe houvesse causado tal desgosto. Mas a maioria dos parentes apoiava-o e comungava com ele na idéia da alforria, que achava justa, embora perdesse a propriedade escrava; e a parte que se opunha à medida não lhe guardou ressentimento depois da libertação, pois o ardoroso libertador sempre gozara a estima de todos.

O subdelegado de polícia de então, o capitão José Maria Pereira de Carvalho, era às vezes solicitado pelos escravagistas a tomar providências contra a campanha em favor da abolição da escravatura, que os cegos interesses ameaçados taxavam de sediciosa ; e alguns entre eles chegaram a insinuar a prisão de Pedro Gomes, como o mais ativo cabeça ao que o bondoso e sagaz velho respondia humoristicamente, sorrindo: “Vá você prendê-lo”.

 

O REPUBLICANO E APÓSTOLO DO ENSINO PUPULAR GRATUITO

 

Paralelamente à luta contra a escravidão, sustentava Pedro Gomes, com o mesmo pugilo de companheiros, a propaganda republicana. Julgavam eles que as duas causas não se podiam separar, em virtude da convicção geral de que ao trono imperial não convinha a alforria dos escravos, por lhe tirar o apoio dos proprietários dos mesmos. Além disso, achavam os republicanos que o processo centralizador era causa de atraso do País e responsável pelo analfabetismo então reinante; a autonomia administrativa para as províncias e municípios era um dos pontos básicos da propaganda republicana. A república federativa traria um grande surto de progresso em todos os setores da vida nacional e favoreceria a difusão das escolas para o ensino gratuito a todos os brasileiros.

A 25 de dezembro de 1887 era fundado o “Clube Republicano” em casa de residência de Pedro Gomes, que seria sempre o seu 1o secretário e alma da ação política posterior; presidido por Manoel José Veloso e integrada por Antônio da Silva Borges, 2o secretário, José Pereira Gomes, João Pereira dos Santos, José Pereira Braga e Antônio Baptista Braga, ao todo 7 membros do 1o diretório, que, segundo a ata então lavrada, poderia admitir como membro do Partido qualquer pessoa que julgar nos casos de o ser, de dezessete anos para cima, mediante a declaração assinada de que aderia “ao Partido Republicano desta freguesia”.

O crescimento foi lento. A 2 de julho de 1888 o diretório recebeu a 1a adesão, de João José Barroso; a 30 de setembro a de Joaquim Arantes de Carvalho; por declaração verbal sem data, publicada no jornal “A verdade”, de Itajubá, a de José Maria Pereira da Rosa; a 23 de dezembro do mesmo ano, de Manoel José Gomes Pereira a 27, de Firmino Augusto Rebello aos 30 de dezembro de 888, de Manoel José Velloso Junior; a 10 de janeiro de 1889, de Estalislau Camilo dos Santos; a 14 de fevereiro, de João Francisco de Carvalho e José Prudêncio da Silva; a 24 do mesmo mês, de Manoel Pereira Machado, conforme declaração publicada em “A Verdade de Itajubá; a 28 de março de 1889, de Manoel Pereira Machado Junior, a 30 do mesmo mês, do Capitão Francisco Rodrigues Pereira Vianna, José Eleuterio Salgado, Joaquim Bernardes de Faria e Souza e Joaquim Carlos da Silveira; ao todo 23 eleitores. (Na enumeração acima figuram Manoel Pereira Machado Junior, respectivamente bisavô e avô do nosso atual (em 1950) prefeito Heitor Machado, que descende de dois autênticos republicanos históricos).

A 29 de março de 1889 um acontecimento dava nosso alento ao Partido Republicano: fazia naquele dia uma conferência de propaganda o líder republicano, Dr. Alexandre Stockler Pinto de Menezes, a qual trouxe mais 37 adesões de eleitores masculinos e de 7 senhoras (que não tinham entretanto o direito de voto); ele vendo o quadro do Partido a 60 eleitores e 7 senhoras.

A 26 de abriu aderiu mais o farmacêutico Antonio Martins de Menezes Junior, encerrando-se a lista até a proclamação da República, a 15 de novembro de 1889, com 59 eleitores, eliminados 2, que se retiraram do Partido.

O partido republicano concorreu à eleição de 8 de abril de 1889, sufragando para deputado provincial, na vaga do Dr. Silvestre Ferraz, o nome do Dr. Christiano Pereira Brasil.

Para as eleições dos senadores a 28 de maio do mesmo ano, foram apresentados os nomes do Dr. Francisco Honório Ferreira Brandão, Dr. Joaquim Felício dos Santos e Pe. Joaquim Camilo de Brito.

Proclamada a República, reuniu-se o diretório republicano a 20 de novembro, e constituindo-se em “conselho administrativo provisório desta freguesia” resolver “reconhecer como legítimo e legal o atual governo republicano provisório, proclamado pelo exército, armada e povo, no Rio de Janeiro” e nomeou delegado de polícia provisório, ao seu presidente Manoel José Veloso.

A 24 de novembro adere à República do “Partido Liberal” e à 1º de dezembro o “Partido Conservador” extinguindo-se assim as duas tradicionais agremiações políticas da Monarquia.

Até 25 de maio de 1892 continuou Pedro Gomes como secretário do Partido Republicano, deixando daí em diante a atividade política, para dedicar-se à sua família, a cargos administrativos e de beneficência.

A família do extinto republicano histórico ainda guarda como preciosa relíquia a bandeira do Club Republicano, que se desfraldava durante a propaganda, encimada pelo barrete frigio, e com a seguinte inscrição: “Club Republicano de Vargem Grande – Libertas, quae será tamen

Pedro Gomes gastou dois terços de sua vida a trabalhar pela terra e pela coletividade, em atividades que não lhe traziam nenhum provento, antes prejudicavam seus interesses e só lhe traziam canseiras e muitas e, muitas vezes, dissabores e perigos.

 

O DEFENSOR DA ORDEM PÚBLICA

 

Tornou-se famoso na época, em 1884, o seu ato de coragem, prendendo com uma pequena escolta de cinte paisanos mal armados, uma numerosa malta de ciganos abarrocados no bairro do Campo Belo, onde afugentavam famílias de fazendeiros que fugiam, deixando as casas abertas. Era juiz de paz, e a obrigação da diligência cabia aos 3 subdelegados de polícia locais, mas nenhum deles quis arriscar-se ao perigo, pois a ciganada estava armada até os dentes. Pedro Gomes, vendo ameaçada a ordem pública, pôs-se à frente de 20 homens, cujo armamento constava apenas de facas e 4 ou 5 armas de fogo, acrescidos de mais uns 10 homens pelo caminho. A pequena expedição marchou à noite, para surpreender os ciganos antes da alvorada. Foi dividida em 2 grupos seguindo um deles por um desvio, sob a direção do oficial de justiça Leopoldo Nunes de Almeida e o outro com apenas 12 homens, acompanhando Pedro Gomes, pela estrada geral.

A ordem era chegar ao acampamento dos ciganos, primeiro o grupo dirigido pelo juiz de paz e depois, a um sinal combinado, o grupo dirigido pelo oficial de justiça. Chegada a primeira força, insuficiente para sitiar as 5 ou 6 barracas, cerca apenas a maior, a do chefe dos ciganos, e dá o sinal combinado para a convergência do 2º contingente; mas este não aparece; o sinal servira apenas para despertar os ciganos das outras barracas, que acorrem em auxílio de seu chefe. Ouve-se o tinir de armas por todos os lados. Vendo o perigo que o ameaçava com os seus 12 companheiros, em grande inferioridade numérica e de armamento, Pedro Gomes, aproveitando a semi escuridão, para simular superioridade, brada bem alto nos seus: “Não abram fogo! Não atirem sem ordem!”. O efeito foi imediato; os ciganos acobardaram-se e, intimidados, começaram a entregar as armas. Mas, calando a plena luz do dia percebeu o numeroso bando que caía prisioneiro de apenas uma dúzia de homens, e iniciou-se entre os presos uma cochichada e indecisa conspiração de resistência, que se prolongou até às 9 horas da manhã, quando chegava o outro grupo da escolta, às ordens do oficial de justiça, com 3 horas de atraso, depois de convencer-se de já não havia perigo; e logo após, corriam moradores das cercanias, recrutados pelos inspetores de quarteirões. Só então os ciganos submeteram-se completamente e foram conduzidos, escoltados já agora por uma guarda de cerca de cem homens, para esta então freguesia, onde foram entregues ao 3o  suplente de subdelegado de polícia e iniciado o inquérito policial. Mas não cabiam na pequena cadeia local, nem havia naquele tempo polícia militar que os guardasse; a autoridade policial e o escrivão mandaram-nos embora e durante muitos anos Vargem Grande ficou livre das incursões dos ciganos, que evitavam esta localidade como lugar perigoso.

Mais tarde, como subdelegado de polícia, não contando com policiais militarizados que o Estado não oferecia às freguesias, só dispunha de dois ou três “paisanos engajados” (com se denominavam), fardados e armados para o ofício.

Ainda assim, Pedro Gomes mantinha rigorosa ordem e segurança do distrito. Muitas vezes efetuava prisões sozinho, graças à sua força moral e ao respeito que inspirava. Certa ocasião, o cabo comandante dos engajados embriagou-se e saiu à rua a disparar tiros para todo lado.

Pedro Gomes foi ao encontro do mesmo, prendeu-o e deixou-o vários dias na cadeia.

Da outra vez avisaram-no de que o morfético João Piranga, caboclo turbulento quando alcoolizado, promovia distúrbios, desafiando a todo mundo, certo de que ninguém lhe poria a mão.

O subdelegado laçou-o com um comprido arame farpado e depois que o viu humilhado e calmo, soltou-o, mandando-o de volta para o seu bairro. De outra feita, percorrendo a povoação, encontrou embriagado, a galopar desenfreado pela rua, um homem, então muito popular, mestiço espadaúdo e leiloeiro espirituoso das festas religiosas, mas descontrolado e perigoso quando bebia demasiado. Repreendido, desatendeu a autoridade e frechou o cavalo contra o subdelegado; este desviou-se, colheu as rédeas da montaria, desmontou o cavaleiro e mandou pô-lo fora da povoação pelos dois policiais que chegavam no momento.

Muitos outros episódios semelhantes poderiam ser relatados aqui; mas omitimo-los para não alongar demasiado estas linhas.

 

O PODER DA FORÇA MORAL

 

Não suponha, porém, quem nos ler, que Pedro Gomes tenha sido um ferrabraz, um  matamouros: nada disso; trata-se de um homem que foi sempre bondoso, calmo e inimigo da violência; nunca atacou nem feriu a ninguém; não possuía arma de nenhuma espécie e não as trazia ainda quando tinha de afrontar situações perigosas.

Sua arma única e invariável era forjada pela força moral e respeito que inspirava. Jamais se exaltou. Conservava a serenidade e o sangue-frio nas emergências mais desconcertantes.

Aconselhava a todos que andassem desarmados, porque uma arma, dizia, é uma tentação, às vezes irresistível, para cometer um delito. De mais, acrescentava, somente os medrosos precisam de armas: os corajosos, não.

A uma pessoa que por outra fora ameaçada de um destorço pessoal e que, por sua vez, protestava matar o adversário, deu original conselho:

“É preferível morrer numa briga, embora se tenha razão, do que matar;  quem mata conservará a mancha de assassino por todo o resto da vida”.

 

*****

 

Na segunda década deste século, viera clinicar nesta, então, Vila Braz, um jovem médico impulsivo e grosseiro, que entrou logo a atritar-se com diversas pessoas, inclusive Pedro Gomes.

O Dr. Alvaro de Barros, eminente médico que aqui residira, comentou a propósito: - Dr. Fulano não permanecerá muito tempo em Vila Braz, pois questionou com os dois homens mais pacíficos da terra: Pedro Gomes e Augusto Carvalho.

 

 

O TRABALHADOR INFADIGADO E DEDICADO A OBRAS PÚBLICAS

 

Intangível trabalhador, os seus negócios particulares não esgotavam toda a sua atividade: sobravam-lhe energias para dedicar ao interesse público todo o tempo que lhe sobrava.

Ocupou em anos consecutivos todos os cargos administrativos da Santa Casa de Misericórdia, desde secretário até provedor. No “Club Wenceslau Braz” foi, por vários períodos, tesoureiro, vice-presidente e presidente. Representou Vargem Grande na Câmara Municipal de Itajubá quando freguesia desse município.

Nomeado preposto do Agente Executivo, quando foi criado o município de São Caetano da Vargem Grande e eleita a primeira Câmara Municipal em 1901, tornou-se precioso auxiliar do chefe executivo na orientação e administração das obras públicas, sem prejuízo das suas funções de contador, tesoureiro e arrecadador das rendas da Câmara Municipal.

Nomeado depois coletor, ao ser criada a coletoria estadual no novo município, apesar de sobrecarregado pelos trabalhos de suas funções que exercia sozinho, sem escrivão, não deixou nunca de prestar a sua cooperação de boa vontade, sempre que era solicitada a sua ajuda na solução dos problemas de interesse público.

 

O ACABAMENTO DA ANTIGA IGREJA MATRIZ

 

Um dos serviços mais assinalados que prestou à terra natal foi terminar a construção da igreja matriz, iniciada em 1848, e que se arrastara remorada pela falta de interesse das comissões eleitas para superintender as respectivas obras, até que o povo, em memorável reunião, decidiu abolir o sistema de comissões numerosas e nomear o Capitão Manoel José Pereira Gomes para se encarregar sozinho dos trabalhos, os quais tomaram vigoroso impulso. Falecido aquele benemérito, em 1879, tomaram seu lugar seus filhos Francisco Braz, que augariava recursos e Pedro Gomes, que administrava a construção e levaria a bom termo seis anos depois. As duas belas e longas escadarias em espiral que vão às torres foram desenhadas e a sua construção dirigida por Pedro Gomes.

Superintendeu mais a difícil tarefa de alçar os dois enormes sinos até a uma das torres onde ainda estão: para tanto fez-se necessário amarrá-los a grossos cabos de navio vindos do Rio e puxá-los ao alto da torre por meio de forte guindaste, por que era impossível transportá-los pela escada.

CORAÇÃO ABERTO

 

Muito trabalhou sem conseguir enriquecer, apesar das heranças que recebeu. Era um mão aberta coração onde ecoavam as necessidades alheias.

Estabelecido com loja movimentada, os lucros eram consumidos pela numerosa freguesia, que comia e bebia fartamente às custas dele. Em sua casa a mesa conservava-se servida durante o dia quase todo. Foi obrigado a trocar de profissão.

Entre seus muitos amigos e compadres figuravam em maior número os de recursos escassos, que em suas aperturas lhe pediam socorro; e ele não lhes negava a derradeira moeda que acaso lhe restasse no bolso, embora lhe fizesse falta para as despesas indispensáveis.

Freqüentemente, atendia a rogas de pessoas necessitadas, que lhe solicitavam o custeio enterros, casamentos e batizados, e o salvamento da casinha onerada de impostos atrasados, e em risco de penhora.

 

DESAMBICIOSO E DESPRENDIDO

 

Em certa época, como coletor estadual, fez jus a uma promoção a outra coletoria de classe superior, que seria a de Pouso Alegre.

Não obstante necessitar das vantagens do acesso, por carecer de fortuna e pezar sobre seus ombros o encargo de numerosa família, desistiu do seu direito, para atender a um pedido do chefe político de Pouso Alegre, Cel. Otavio Meyer, que se empenhava pela colocação de um seu protegido.

PROTEÇÃO A UM ADVERSÁRIO EM PERIGO

 

Geria em Piranguinho, uma casa de comercio de que era sócio, de 1892 a 1894, quando a estrada de ferro Sapucai trafegava somente até aquela estação, ponta dos trilhos. Não havia hotel na localidade nascente. Em sua casa tomavam refeição e dormiam gratuitamente, todos os dias, mais de uma dezena de pessoas que embarcavam naquela estação. Eram hospedes que nada pagavam, muitos eram amigos, outros freguezes, e grande numero gente desconhecida, nem amigos nem freguezes. Certo dia desembarcou um senhor de meia idade de aspecto grave e ares aristocráticos. Pedia agasalho. A casa de Pedro Gomes lhe foi franqueada. Era Andrade Figueira, ex-ministro do Império, figura de grande relevo entre os monarquistas reacionários que se aliaram ao Almirante Custodio José de Melo, chefe da revolta de 6 de Setembro contra o governo de Floriano Peixoto. Vinha corrido da policia do Marechal Presidente, procurar asilo em Minas. Na sua fuga veio parar na ponta dos trilhos de Sapucai e em casa de um chefe republicano, ardente partidário de Floriano Peixoto. Quando Andrade Figueira soube disso, surpreendeu-se e viu-se em perigo. Procurou seu hospedeiro e  falou-lhe em particular. Pedro Gomes o tranqüiliza.

Em sua casa nada lhe aconteceria. Seria respeitado como hospede que era.

E tratava-se de um inimigo figadal do regimem que seu hospedeiro defendia.

Viera buscar asilo e por isso eram sagradas sua pessoa, sua vida, sua liberdade.

TRIBUTO ÁS FRAQUEZAS HUMANAS

 

Como todo homem, teve também sua fraqueza, aliás única; gostava de um joquinho, á semelhança de todo mundo naquele tempo de vida monótona sem nenhuma outra diversão, quando homens e mulheres, quase sem exceção, se reuniam ora numa casa de família, ora noutra, para matar o tempo. Mas não arriscava grandes quantias, só aceitando paradas de pequeno valor. Ainda assim, incapaz de uma trapaça, era considerado um pato, presa imbele dos jogadores profissionaes que achavam jeito de se infiltrar em todas as rodas

 

O IDEALISTA E O FILOSOFO

 

Desde menino, inteligente e vivo, foi criado numa atmosfera de simpatia, querido e mimado de toda família. E essa educação deixou fundo traço no seu caráter: acreditava na bondade humana; para ele, todos os homens eram irmãos, ricos ou pobres, pretos ou brancos, correligionários ou adversários. Por isso mesmo, revoltava-se contra e combatia tenazmente todo egoísmo e toda injustiça.

E assim transcorreu sua vida, numa linha reta invariável, traçada do berço ao túmulo.

Idealista incorrigível, conservou acesa a chamada do ideal até seus últimos dias, acreditando no progresso e no aperfeiçoamento da humanidade, e num futuro risonho para o mundo.

Para tanto lutou sem cessar. Por sua parte, trabalhou sempre, procurando desempenhar a tarefa que lhe cabia na vida, fosse qual fosse. Trabalhou infatigavelmente, até seus últimos dias. Com setenta e seis anos, só deixou seu escritório depois que o abandonaram e as últimas forças e se recolheu a cama para morrer poucos dias depois.

Sem ter conhecido a história da vida de Socrates, com ela teve Pedro Gomes muitos pontos de semelhança.

E uma diferença. Socrates pregava contra a democracia, propagando a superioridade do governo aristocrático, representado pelo partido oligarquico, e porisso foi condenado a beber a cicuta; Pedro Gomes era visceralmente democrata; opinava que o direito de voto deveria ser estendido até aos analfabetos, e porisso foi condenado ao ostracismo, porque, proclamada a republica, os governos continuaram nas mãos das classes ricas, das mesmas oligarquias preconizadas pelo filosofo grego. Qual dos dois estaria certo? A civilização grega  baqueou depois que a Grécia caiu sob o domínio da monarquia de Alexandre; a civilização brasileira, estacionária sob a monarquia, entrou em perigosa crise de apodrecimento sob a ditadura, e agora marcha para um destino imprevisível, rondada pelo caos...; salva-la-á a democracia? Se assim for, Pedro Gomes estremecerá de contentamento no seu túmulo.

Agora as semelhanças: um e outro criam num Deus único. Um e outro viveram vida desinteressadas, altruísticas, privadas de riquezas.

Socrates arriscou a vida num combate, para salvar Alcebiades; Pedro Gomes jogou a sua numerosas vezes em defesa da  ordem publica e dos oprimidos. Socrates ao beber a cicuta, consolava seus discípulos e até ao próprio carrasco, que todos choravam, e descrevia as fases progressivas do veneno como se estivesse observando de fora um fenômeno da natureza; Pedro Gomes, sentindo, em plena lucidez de espirito, a aproximação da sua hora final, ao voltar-lhe a consciência após o primeiro colapso, disse calmamente, como se o tremendo momento em nada se relacionasse com sua própria pessoa: “Este é o primeiro colapso”.

 

OS SEUS ASCENDENTES

 

Pedro Gomes teve a seguinte ascendência:

   Paes: Capitão Manoel José Pereira Gomes  e d. Flausina Maria de S. José.

Avos paternos: Antônio José Gomes, (portuguez) e Maria Flausina de Jesus,      natural de Pouso Alto; maternos: Alferes Antônio Dias Pereira e Rita Mendes da Silva.

Bisavós: Paterno-paternos: portuguezes, desconhecidos; paterno-maternos: Vicente Rodrigues e Maria Flausina; materno-paternos: José Dias Pereira e (desconhecida); os demais desconhecidos.

Trisavós: só há notícia dos seguintes: paterno – materno – paternos: Vicente Rodrigues de Oliveira e Teresa Moraes Rodrigues;  paterno – materno – maternos: Francisco Rodrigues, portuguez e Michaela Flausina de Moraes, hespanhola; materno – paterno – paternos : Antônio Dias Braga, portuguez e Helena Pereira Goulart, brasileira.

Foi casado com D. Ana Ignácia de Oliveira, filha do Alferes Ignacio João de Oliveira e de D. Maria Severina da Silva, neta pelo lado paterno de Claudio Gonçalves de Oliveira Lopes e D. Estela Borges; e da parte materna, de Manoel Pereira Goulart Júnior e de D. Helena Rodrigues; bisneta por linha paterno – materna de Ignacio Borges, um dos mais antigos povoadores de Brazapólis e Itajubá; e por linha materna descendia do velho Lourenço da Costa, que nos primórdios de Itajuba sustentou renhida luta com os paulistas pela posso do território de aquém Mantiqueira.

Entre seus ancestraes afastados contam-se os Dias Bragas e Pereira Goularts de Baependy, que foram também ascendentes de seu marido, do qual era parenta em 4º grau canônico. Era sobrinha neta de Maria da Fé, que deu o nome a atual Cidade de Maria da Fé.


OS SEUS DESCENDENTES

 

Pedro Gomes deixou numerosa descendência, atualmente constante dos seguintes, enumerados os filhos em letras versaes, os netos em grifo e os bisnetos em tipo comum:

SEBASTIÃO GOMES, casado com Lydia Pereira Gomes, E SEUS FILHOS –
Pedro Gomes Neto
, casado com Amélia Faria Gomes – filhos: Guilherme, Fábio, Marcos e Paulo de Tarso.

João de Barros Gomes

Eulalia Pereira Gomes

Maria Lydia Gomes

Anita de Barros Gomes

Déa Pereira Gomes

Cora Gomes Wood, casada com Hugo Wood – Thomaz Eber e Luiz Fernando

Raul Pereira Gomes

Sebastião Gomes Filho

Haroldo Pereira Gomes

Emma Pereira Gomes

JOSE ALFREDO GOMES, casado com Evangelina Renó Gomes. Dr. Mario Reno Gomes, casado com Clarice Rosa Gomes – Rosa Maria e Luiz Celso.

Dr. Lucio Reno Gomes

Maria Helena Gomes Lisboa, casada com Antônio Magalhães Lisboa  - Lina Maria, Luiza Maria, Helena Maria e Antônio José.

Ana Julia Reno Gomes

Cecilia Vitoria Reno Gomes

MARIA JOSE GOMES

 

PEDRO NESTOR GOMES, falecido, casado com Maria Benedita Nogueira Gomes – Renato Gomes,

Glauco Nogueira Gomes

Maria Aparecida Nogueira gomes

Marcio Nogueira Gomes

Pedro Ivo Gomes,

Claudio Manoel Gomes, (irmão Leonardo Gabriel),

Maria Olivia Nogueira Gomes.

EMILIA GOMES

IGNACIO LEAO GOMES, casado com Benedita Pimenta Gomes.

José Maria Gomes

Sela Maria Gomes

Rubens do Amaral Gomes

Luiz Reynaldo Gomes

MANOEL IVO GOMES, casado com Maria Aparecida Carvalho Gomes.

Marilia , Stela, Ofélia, Paulo, Marcos, Therezinha, Manoel Cristovam, José Maria.

 

ADEODATO GOMES

 

UMA OMISSÃO A CORRIGIR

 

O acadêmico Wenceslau Braz Pereira Gomes, seu sobrinho, mais tarde elevado á Presidência da Republica acompanhava com vivo interesse a ação de seus tios, como republicano de coração que era, não figurando entretanto seu nome nas atas do partido, antes da proclamação da Republica, em atenção a seu pai, chefe do Partido Conservador. Na primeira reunião havia logo após a proclamação, esteve presente, ajudou seu tio a redigir a importante ata em que todos os partidos se congraçavam para o bem do Brazil, e foi um de seus signatários.

 

NOTA CURIOSA

 

A predileção de São Pedro na família

 

Pedro Gomes nasceu no dia de S. Pedro; sua mãe Flauzina Maria, seu irmão mais velho Francisco Braz  Pereira Gomes e seu filho Ignacio Leão Gomes nasceram na véspera de S. Pedro; sua filha Maria (a 1ª falecida), sua irmã Maria Tereza, seus netos Pedro Gomes Neto (filho de Sebastião Gomes) e Irmão Marista Leonardo Gabriel (filho de Pedro Nestor Gomes), sua sobrinha Amanda Pereira Gomes e seus sobrinho bisneto Dr. Pedro Vergueiro, nasceram no dia de S. Pedro. E sua filha Cecilia faleceu já moça feita, no dia de São Pedro