N.S. Aparecida | Guadalupe |
Virgem
do Apocalipse |
Lua crescente |
A Mulher com os Pés sobre a Lua é uma imagem bonita e insólita. É uma das imagens mais presentes no vocabulário da arte brasileira do século XVIII. Se você for um leigo em arte sacra, como eu, e buscar aprender os padrões de repetição que ajudam a "ler" aquela imensa variedade de formas, um dos mais simples é reconhecer as várias Nossas Senhoras. São tantas. Cada uma delas tem marcas identificadoras: o terço na mão da "do Rosário", as facas no coração da "das Dores", a lua nos pés da "Imaculada Conceição". Pronto, a imagem que me atraía agora tinha um nome: Conceição. Assim começou mais um episódio de minhas investigações sobre algumas Significativas Insignificâncias. De onde veio meu interesse pela Mulher com a Lua aos seus Pés? Eu vinha de cinco anos obcecado por espirais, que me levaram ao Barroco. Entretanto, por ser parte de algum processo inconsciente, a escolha não tem explicação clara. Pode ter precedentes. Ser ateu não impede que me sinta atraído pela mágica de alguns lugares, alguns símbolos, alguns sons. Um desses entes é a Grande Deusa, a virgem-mãe. Em algum momento de meus anos 30, percebi que a oração Ave Maria me era um mantra mais natural do que algo em sânscrito. Foi a primeira oração que aprendi, repetida toda noite a partir dos... 7 anos? Depois, mais 6 anos de colégio marista onde, nos meses de Maio, dezenas de garotos rezávamos o terço andando ao redor do pátio interno do Arquidiocesano. A ligação se consolidou quando eu tive um sonho, em 1993, daqueles sonhos felizes em que a gente tem a incrível sensação de voar, e começava incidentalmente em frente a uma imagem de Nossa Senhora. Entretanto, não saberia dizer detalhes da imagem sonhada. Na época minha cultura da iconografia mariana era nula. A partir dali, enfrento insônias e surtos de stress repetindo o mantra. As vezes dá certo, as vezes não dá. Mas isso explica o interesse pela Mulher com os Pés sobre a Lua? Ah, sei lá. Só sei contar o caminho percorrido. |
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Na imensa maioria das vezes, a mulher com
a lua a seus pés é Nossa Senhora da Imaculada
Conceição, ou, simplesmente, Nossa Senhora da
Conceição. A professora Maria Beatriz de Mello e Souza
fez uma estatística dos
nomes das paróquias brasileiras, e a Conceição
ganha disparado. Os padres franciscanos, muito presentes no Brasil,
frequentemente a colocam no altar, o que resultou em grande
número de imagens. Talvez isso se deva ao fato de que
Francisco de Assis teve uma visão de Nossa Senhora, numa capela
chamada Porciúncula.
Algumas das mais
belas
imagens barrocas brasileiras usam essa
representação. Mas vamos ao que me interessa: a mulher com os pés sobre a lua. Uma característica da iconografia barroca brasileira é ser mais forte na estatuária do que em pinturas. No caso da representação da Conceição, isso coloca um belo problema formal: não é fácil resolver tridimensionalmente a imagem da lua crescente a seus pés. Uma Lua Cheia é fácil, uma esfera, mas qual é a forma tridimensional da Lua Crescente? Os resultados são bem variados. |
O teto do mais importante
monumento do barroco brasileiro, a Igreja de
São Francisco ,
em Ouro Preto, atribuído a Manoel Athaíde (foto ao lado),
representa a Nossa Senhora da Porciúncula e mostra a lua
numa posição incomum, mas seguramente associada a
posição em que a vemos, no teto da igreja. |
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A hipótese Guadalupe Passei vários meses de 2003 acalentando uma hipótese que depois mostrou-se equivocada: a mais antiga representação que encontrei de Maria com os pés sobre a lua parecia ser de 1531, é uma "imagem milagrosa", uma imagem que surge pintada na roupa de um mexicano chamado Cuautitlan, a famosa Virgem de Guadalupe. A história dessa imagem é muito boa. Nos 10 anos que seguiram a conquista do México por Cortez, naquela história em que uns poucos espanhóis a cavalo venceram milhares de aztecas e espalharam doenças que mataram milhões, a grande capital Tenotchitlán foi destruída e suas pedras usadas na construção da Cidade do México. Em 1531 a cidade já tinha suas igrejas, seu bispo franciscano. A evangelização dos locais vai à toda. Nesse momento histórico, conta a história que a Virgem aparece a um índio mexicano e lhe pede que convença o bispo a construir uma igreja num morro, nas proximidades da cidade. Na terceira tentativa de convencimento, o índio recolheu em sua roupa umas flores muito especiais e, quando a abriu para mostrar ao bispo, apareceu a imagem ao lado, pintada em sua túnica. O bispo reconhece o milagre nessa pintura de uma mulher com um manto estrelado, de mãos postas, de pé sobre a lua crescente, inserida numa concha de raios, sobre um anjo alado. Pouco depois foi iniciada a construção da igreja. O índio, mais conhecido pelo seu nome espanhol Juan Diego, foi canonizado em julho de 2002.
Consta
que essa história foi registrada ainda no século
XVI,
na língua Nahuatl, por um índio chamado Antonio
Valeriano.
Esse texto, conhecido como Nican Mopohua, ou Huei Tlamahuitzoltica, está
perdido.
Há quem diga que foi levado por um general americano. Conhece-se
uma
cópia de 1649, também em Nahuatl, feita por Luis Lasso de
la
Vega. Nesse texto
de 1649 , a palavra Imaculada é mencionada uma vez.
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Nossa Senhora da Conceição torna-se a padroeira de Portugal, do Brasil e de muitos países da América Latina. A figura ao lado é a N.S. de Lujan, padroeira da Argentina. Procure bem e encontrarás os "chifrinhos"da lua, atrás dos últimos anjinhos.. Alguns quadros espanhóis do século XVI retratam N.Sa. da Conceição sem lua a seus pés. |
Meses
buscando referências sobre a Mulher
com os Pés sobre a Lua e, de repente, encontro uma
página sobre a Mulher Vestida
de Sol, exatamente sobre o mesmo tema! Coisas que só a
Internet permite descobrir. Eu vinha buscando imagens da Conceição, com a tese de que a Guadalupe seria a primeira, que essa seria uma imagem "americana" do dogma da Imaculada Conceição, e encontrei vários sites de Mariologia. Repetia a pergunta onde podia, e um padre da Universidade de Dayton disse que a imagem da Mulher com os Pés sobre a Lua seria do século XV (e, portanto, anterior a Guadalupe), mas não tinha as evidências. Mencionou que uma delas seria da Alemanha Erfurt, e eu saí a campo. Esbarrei na página de um fotógrafo americano, Gary Regester, que reuniu alguns dos ícones abaixo. |
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A Virgem do Apocalipse A origem dessa representação está ligada àquele mais espantoso texto do Novo Testamento, o Apocalipse de São João. Uma página da Arquidiocese do Rio de Janeiro vai fundo nessa discussão. Lá no capítulo 12 lê-se: "Depois apareceu no céu um grande sinal: Uma mulher vestida de sol, e a lua debaixo de seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre sua cabeça; e, estando grávida, clamava com as dores do parto e sofria os tormentos para dar à luz" . Essa, pois, é a origem da imagem. É a representação da idéia descrita no Apocalipse. É curiosa a solução adotada para traduzir graficamente a expressão "vestida de Sol": uma elipse cheia de raios, que marca tão estranhamente a a imagem de Guadalupe, está em várias daquelas que a precederam, como a gravura de Dürer. Em março de 2004 descobri uma pagina no site de mariologia da U. Dayton que mostra que muitas representações da virgem do apocalipse foram feitas nas iluminuras de manuscritos medievais: http://www.udayton.edu/mary/resources/apocalypse1.html O apocalipse Hoje, Apocalipse está indissoluvelmente ligado ao fim do mundo. É praticamente um sinônimo. Mas a palavra, em grego, significa "revelação". Literalmente significa "a retirada dos véus". É a primeira palavra desse livro de João, e muitos livros antigos ficaram conhecidos pela palavra que os inicia. Mas a revelação que João nos descreve é sobre o fim do mundo.O livro tem 21 capítulos, cheios de imagens retumbantes, cheios de números mágicos. São revelações “sobre as coisas que em breve devem acontecer”. Ele descreve a seqüência de "cenas" que se sucederão quando o fim do mundo se aproximar, e lá no capítulo 12 aparece a cena sobre a mulher com os pés sobre a lua. Vale a pena ler o capítulo 12 todo, para ter uma idéia do que rola nos 21 capítulos. São todos nesse estilo. Capítulo
12 do livro Apocalipse Viu-se
grande sinal no céu, a saber, uma mulher vestida do sol com a
lua debaixo dos
pés e uma coroa de doze estrelas na cabeça, 2 que,
achando-se
grávida, grita com as dores de parto, sofrendo tormentos para
dar à luz. 3 Viu-se,
também, outro sinal no céu, e eis
um dragão, grande, vermelho, com sete cabeças, dez
chifres e, nas cabeças, sete
diademas. 4 A sua cauda arrastava a terça
parte das estrelas
do céu, as quais lançou para a terra; e o dragão
se deteve em frente da mulher
que estava para dar à luz, a fim de lhe devorar o filho quando
nascesse. 5 Nasceu-lhe, pois,
um filho varão, que há de
reger todas as nações com cetro de ferro. E o seu filho
foi arrebatado para
Deus até ao seu trono. 6 A mulher,
porém, fugiu para o
deserto, onde lhe havia Deus preparado lugar para que nele a sustentem
durante
mil duzentos e sessenta dias. 7 Houve peleja no
céu. Miguel e os seus
anjos pelejaram contra o dragão. Também pelejaram o
dragão e seus anjos;
8 todavia, não prevaleceram; nem mais se achou no
céu o lugar deles. 9
E foi expulso o grande dragão, a antiga serpente, que se chama
diabo e Satanás,
o sedutor de todo o mundo, sim, foi atirado para a terra, e, com ele,
os seus
anjos. 10 Então, ouvi
grande voz do céu,
proclamando: Agora, veio a salvação, o poder, o reino do
nosso Deus e a
autoridade do seu Cristo, pois foi expulso o acusador de nossos
irmãos, o mesmo
que os acusa de dia e de noite, diante do nosso Deus. 11
Eles,
pois, o venceram por causa do sangue do Cordeiro e por causa da palavra
do
testemunho que deram e, mesmo em face da morte, não amaram a
própria vida. 12
Por isso, festejai, ó céus, e vós, os que neles
habitais. Ai da terra e do mar,
pois o diabo desceu até vós, cheio de grande
cólera, sabendo que pouco tempo
lhe resta. 13 Quando, pois, o
dragão se viu atirado para
a terra, perseguiu a mulher que dera à luz o filho varão;
14 e
foram dadas à mulher as duas asas da grande águia, para
que voasse até ao
deserto, ao seu lugar, aí onde é sustentada durante um
tempo, tempos e metade
de um tempo, fora da vista da serpente. 15 Então, a
serpente arrojou da sua boca,
atrás da mulher, água como um rio, a fim de fazer com que
ela fosse arrebatada
pelo rio. 16 A terra, porém, socorreu a mulher;
e a terra
abriu a boca e engoliu o rio que o dragão tinha arrojado de sua
boca. 17
Irou-se o dragão contra a mulher e foi pelejar com os restantes
da sua descendência,
os que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de
Jesus; e se pôs em
pé sobre a areia do mar. Uma fase de Apocalipses Estudiosos afirmam que o Apocalipse trata dos riscos corridos pelos cristãos no fim do primeiro século, que devem repercutir numa crise de fé, e é uma exortação à resistência (Enc. Britannica). Tal crise de fé parece exigir muitas visões mágicas para se preservar . Entretanto, esse tipo de literatura "apocalíptica" também ocorreu entre os judeus da época. Um texto famoso, que durante alguns séculos foi incluído na Bíblia, mas depois foi declarado apócrifo é o Livro do Segundo Enoch. Sua versão em inglês pode ser vista em http://www.heaven.net.nz/writings/thebookofenoch.htm A mulher com os pés sobre a Lua Fomos longe com a origem da imagem, mas claro que cabe a pergunta: e João, tirou isso de onde? Era essa imagem usada em outra circunstância, naquele momento, no Oriente Médio? Quem pode ajudar nessa? A identificação Imaculada Conceição-Virgem do Apocalipse? A Enciclopédia Católica inglesa investe muitas páginas na discussão da evolução histórica do dogma da Imaculada Conceição. A expressão Imaculada Concepção de Maria não se refere à concepção de Jesus por Maria. Refere-se ao conceito de que a Mãe de Deus não poderia ter sido concebida com o pecado original e, portanto, sua concepção, no ventre de sua mãe Ana, ocorreu sem pecado. Chegou-se a discutir se a suspensão do Pecado Original, esse que todos os humanos carregam desde Adão, teria ocorrido antes ou depois da inseminação física, propriamente dita. (veja em http://www.newadvent.org/cathen/07674d.htm ). O assunto esteve em discussão por muitos séculos e, no final do século XV várias reuniões foram realizadas para discuti-lo. Torquemada, aquele posteriormente famoso por sua ação feroz na Inquisição, escreveu um Relatório em 1473 defendendo o conceito. Ainda assim, falta a ligação entre a imagem e o conceito. Vimos que a imagem foi criada sem esse vínculo. Há quem diga que, como não há símbolo capaz de representar esse mistério da Imaculada Conceição, era necessário buscar uma imagem dissociada. E lá estava a Virgem do Apocalipse entrando na moda, vinda do Norte! Nossa Senhora do Apocalipse, Padroeira do Brasil Se é que é possível resumir esta história, a padroeira do Brasil, das Américas e de Portugal, Nossa Senhora da Imaculada Conceição, na verdade é a Nossa Senhora do Apocalipse! Nossa história, o momento em que vivemos, parecem confirmar nossa presença na beira do fim do mundo, Entre o Céu e o Inferno. Aliás, esse foi o nome da grande exposição sobre o Barroco Brasileiro, em Paris, na virada do Milênio. E parece que queremos esconder as raízes de nossa padroeira, disfarçando sob um manto real as pontas da lua crescente, que parecem chifres do demo. Um novo problema: as "mãos postas" Em maio de 2004 recebi a visita de Martin Sablik, um pesquisador americano que é fervoroso católico. Temos um projeto conjunto sobre modelamento de propriedades magnéticas. No city-tour por São Paulo, incluí uma visita ao Museu de Arte Sacra. Lá li uma novidade, para mim: o símbolo que caracteriza a Imaculada Conceição não é a presença da lua, mas sim "as mãos postas", que podem ser vistas nas imagem da Aparecida, Guadalupe, Lujan, etc. Entretanto, as "virgens do Apocalipse" anteriores não tem as mãos postas, elas tem a criança no colo. Como não vi isso antes? Estava ali, na minha cara, e não vi. Considerei que a Conceição era o novo nome da Virgem do Apocalipse, sem notar essa grande diferença! Será que isso nos coloca de volta à questão: A Guadalupe é uma nova síntese? Passei a investigar as mãos postas. No meu livro de história da arte encontrei uma grande quantidade de "Mãos postas" no século XV, nada antes e nada depois. Devem estar lá, mas a moda foi no século XV. No Google, "mãos postas" me levaram ao Baghavad Gita, ao gesto de Arjuna frente a Krishna. Será que o gesto tem origem indiana? Nem judeus nem árabes o usam. Assim continua essa busca sem fim
Mais imagens |
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William Blake, poeta e ilustrador ingles do século XIX, um romântico de carteirinha, desenhou a Mulher e o Dragão vermelho, mas com a lua a seus pés! Woman and the Red Dragon, William Blake, 1805, National Gallery, D.C.; Ao lado, outra imagem do norte europeu, também do século XV. The Glorification of the Virgin, Geertgen tot Sint Jans, ca. 1480, Museum Boymans-van Beuningen, Rotterdam;
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É verdade que existem imagens mais antigas associando a Mulher e a Lua. Venus de Laussel, Dordogne, 20,000 BC, Musee d'Aquitaine, Bordeaux, France; Mas será que é a lua ou é um chifre? Sumerian "Lilith", ca. 2000 BC, British Museum; O culto de Isis:
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Female Figure of Late Spedos Type, Early Cycladic II, ca. 2400 BC, JP Getty Museum, Los Angeles; Artemis and her lion, c. fifth century BC, British Museum; 3 Die schoene Artemis from the Temple of Artemis, Ephesus, Selchuk Museum, Turkey; Os vínculos desse culto com os vários cultos mediterrâneos de deusas é bem forte. Para focalizar um dos símbolos, a virgindade, muitas deusas gregas eram virgens: Palas Atena e Artemis são bons exemplos. O Parthenon, símbolo máximo da cultura grega, era o Templo da Virgens, dedicado a Palas Atena. Um dos 12 signos do Zodíaco homenageia esse símbolo. Na Grécia, o culto da virgem tinha denominações e características um pouco diferentes de cidade a cidade.. |
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Referencias mencionadas por Gary: |
Um problema menor: O nome daquela lua: Lua Crescente ou lua nova?
Todo mundo chama aquela lua fininha de Crescente. Até o
croissant associa forma e nome. Entretanto, aquela é a Lua Nova.
É só olhar para o céu dois dias depois que
seu calendário avisar que começou a fase da Lua
Nova. O Quarto Crescente inicia-se quando a lua está já
meio cheia.
Entretanto, mesmo o Aurélio assim a define:
Crescente, segundo o
Aurélio: 5a
acepção: forma aparente da lua durante o quarto
crescente, quando apresenta iluminada menos da metade do seu
hemisfério. 7a acepção: Armas e
estandarte do antigo império turco.